sábado, 12 de novembro de 2011

Em direcção ao Cáua


Foi em Julho que decidi apanhar boleia no cruzamento entre a estrada para o Úíge e a rua que descia do Congo Agrícola para a Feira do Negage. Pedi a vários camionistas, supliquei-lhes até, e nada de boleia. Diziam: "Não transporto cabeludos"; "É perigoso com esta revolução em Portugal"; "Sei lá se me estás a dizer a verdade!". Eu, que viajara de Luanda ao Huambo - para ver o Peixinho e o Nicha, mais o Santos Pêras com o seu Subaru -, sem qualquer recusa de camionista, estava impedido de me deslocar para a minha terra e na minha zona. Era o início das desconfianças do processo político tendente à "Dipanda"(1). Era o ano de 1974.
Continuei a insistência com o polegar ao alto e continuei a pé. Já perto do controle e cruzamento do Negage/Uíge/Púri a "Yamaha" 50 parou e veio o convite: - Para onde vais? ...
-Sobe.
Só parámos no Quiputo para beber uma Cuca e arranjar combustível. E foi, então, que veio a revelação:
- Tu és branco, ninguém te desconfia. Vais mesmo levar estes documentos e esperas que falem contigo. Por isso, vais ter de apanhar outra boleia até à Damba ou até Maquela.
E foi assim, de surpresa, que me vi a meterem-me na minha pasta de tiracolo, um conjunto de papéis em 3ª. via, que só revelavam números sobre a economia de Angola.
Três dias depois, a abordagem não podia ser mais surpreendente! O furriel das Forças Armadas Portuguesas dirigiu-se-me e ordenou a entega do "papéis". Que tinham de seguir para Kinshasa, disse, secamente. E agradeceu, pagando-me uma cerveja fresca e deixando-me com três cigarros "AC".
No ano anterior, tinha ocorrido a Feira agrícola e pecuária do Negage, com mais sucesso! Eram os charoleses de Camabatela, o touro do "Costas, Lda" e os porcos "Dimuca" as estrelas da Feira. Os visitantes acorriam e à noite havia fados! Angola, a província de Angola, atingia números impressionantes de desenvolvimento económico. Bebia-se o "Jonhie WalKer" e o "Black Label" com soda, prometiam-se mil anos de Portugal em África e exportações de carne bovina para a Europa. Nunca, como até ali, houvera tantos professores nas aldeias rurais e se ensinara tanto português.
Mas já era tarde!
As folhas em 3ª. via sobre as receitas e despesas do Estado Angolano já percorriam os caminhos do mato até às rectaguardas dos nacionalistas, por valores bem baratos e singelos: uma cuca, cigarros e a ingemuidade política de uma boleia em "Yamaha" de 50 centímetros cúbicos!
(1)Dipanda=independência;